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Mostrando postagens de 2013

EMBAGRECIDO

Lá pras bandas do Miranda Apoitado na toca da onça Ele passou por mim Entanguido que só Lembrei-me. Desfilou todo entojado Tocando Miles e Morgan O resto dos peixes Embalados pelas ondas do momento Não davam nem as horas. - Num canta não, nojento?   - desdenhava a piraputanga - Larga essa corneta, malassombro! – pilheirava o pacu Até cascudo tirava uma casquinha do pobre Assuntei bem a lição. Eita bicho medonho O tal do bagre Pode estar entocado em seu isolamento Solitário e escarnecido Mas sobrevive a todo instante Desacata o tempo Desmente a lua E segue seus lamentos Sem saber que cá do barco Eu embagrecia, todo vaidoso Enquanto as águas, como espelhos Refletiam minha vida Escorrendo rio abaixo.

ARTE À LA PARTE

      Enquanto os raios de sol ainda sonolentos entrecortavam a rodoviária de Cacoal, um delicioso cappuccino era saboreado ao som de Guinga e Francis Hime, que apresentavam na TV da lanchonete o novo trabalho autoral dos renomados artistas.        Era chapiscando açúcar na xícara quente, petiscando o Biscoito Fino e de olho no violão. Estalava os beiços quando o piano emergia. Os demais se atracavam aos pães de queijo e pastéis, nem se davam conta do espetáculo. Vez ou outra, olhares esguios arriscavam encarar a famigerada música que invadia o local. A ojeriza e o desprezo lustravam a cara dos clientes. Por alguns momentos imaginei que o aparelho estivesse com seus dias contados, não passaria ileso nessa fatídica manhã. Os ilustres compositores contavam histórias homéricas sobre grandes parcerias com Vinícius e Paulo César Pinheiro. Baladas e bossas complexas harmonizavam minha audição, mas o repúdio era maior que o prazer. O dono ameaçava mudar o canal, mas o movimento contínuo d

À SOMBRA DO ETERNO

       Enquanto folheava o encarte de “Lachrimae”, disco antológico do pianista André Mehmari, a faixa inicial, “Eternamente”, embalava a divagação que ultrapassou os limites da música, lançando-me num caudaloso remanso de rio. Apoitei o barco com a âncora da saudade e deixei o frescor das memórias invadirem o ambiente.         Podiam-se vislumbrar claramente os olhos contemplativos de Dona Bela, felizes por estarem cercados de filhos e netos; a revoada de risos pousava no pé de manga e se alvoroçava. A zoada era inevitável, nem dava as horas para o silêncio, espantava a tristeza pra bem longe dali; Bezerra alfinetava Carmela, Carmela cutucava Bezerra, primos se mungangavam, soltavam pilhérias como pipas pomposas, ornamentando o céu da cidade morena. Vez em quando os aromas de feijão, frango e farofa fustigavam a fome. Alguns natais foram vivenciados nesse contexto. Vicente era o Noel. Chegava da feira, com a sacola cheia de presentes e esturrava:            - Não sai do es

ACANALHAMENTO ABENÇOADO

       Nos dias 20 e 21 de julho deste ano, os pequis de Goiás fundiram-se ao baião de dois nordestino, ornamentando o palco onde se realizou a 10ª Festa da Família Lacerda. Goiânia, Campo Grande, Cuiabá, Brasília, Campinas, Pedro Gomes, Sonora, Rondônia e até os Estados Unidos despejaram 149 adultos e 10 crianças no evento memorável.        A festa iniciou-se com a presença de 28 tripulantes da TAM, dentre eles a companhia inesquecível de minha mãe. A parentela se esparramou pelos assentos do avião. As pilhérias não obedeciam ao uso do cinto de segurança e vez ou outra escapavam pelos corredores. Ao desembarcarem no aeroporto Santa Genoveva, o motorista que iria levá-los para a sede do furdunço nem precisou das placas de identificação, pois de longe os cabelos brancos e a zoada já denunciavam os passageiros. A receptividade calorosa dos demais entes queridos já proporcionava uma chegada ao verdadeiro habitat. Foi só abandonar as malas nos dormitórios e cair na folia. Era como se

A VERDADEIRA BELEZA

     O que são os cabelos, senão uma exigência imposta pela sociedade para guarnecer o crânio com suas madeixas? E quando eles cedem às pressões do tempo, devo convencê-los de que não podem mais ser brancos? Será que é proibido ter rugas? Por que viver enfurnado numa academia, apenas para que meu corpo atenda aos padrões estéticos deste século? Se não sou adepto aos modismos estúpidos do momento, estou fora de moda? Devo pagar uma multa, se não obedeço às cores da estação? Quem disse que a beleza dá trela para a vaidade e a ilusão? Tudo isto é enfado e canseira, nada importa, apenas a certeza de que tudo voltará ao pó e que será consumido pelo solo gelado do esquecimento.      Há beleza nos olhos saudosos de minha mãe, os mesmos que me encararam pela primeira vez quando eu ainda cabia estendido nas palmas de suas mãos; há beleza no primeiro choro tenor do meu filho, dando o ar de sua graça e que ainda posso ouvi-lo mesmo em sua plena adolescência; há beleza na porta que se abre e m

DRIBLANDO AS ADVERSIDADES

       A força do nordestino é um dom peculiar ofertado por Deus para que os obstáculos (que não são poucos) sejam ultrapassados. O bom humor, a criatividade e a ousadia são algumas da armas fundamentais para se alcançar a vitória.      Como explicar essa vitalidade, capaz de suportar os inúmeros flagelos que assolam a região do cangaço? Seca, miséria extrema, educação escassa, falta de oportunidades, preconceitos, empregos mal remunerados, desequilíbrio econômico etc. São apenas alguns exemplos de adversidades que se alastram entre essa gente, no entanto, é dessa região tão precária que surge boa parte da cultura nacional consistente. Luiz Gonzaga, por exemplo, exímio compositor pernambucano, tornou-se um pilar da história da música brasileira, revolucionando o baião, um ritmo nordestino que assumiu proporções jamais imaginadas; Antônio Gonçalves da Silva, mais conhecido como Patativa do Assaré, poeta e compositor cearense, analfabeto, sem jamais ter aperfeiçoado suas técnicas lit

14611 PRESENTES

      Ao telefone, minha mãe desculpava-se pelo fato de não ter me enviado nenhum presente, o que não concordo e passo a explicar: Segundo ela, às 16:30 horas, em março de 1973, em plena segunda-feira, enquanto os trabalhadores quase encerravam sua primeira jornada exaustiva da semana, meus olhos sonolentos abriram-se pela primeira vez, já chorando grave e sorrindo para o mundo. Isso explica o motivo que sempre me levou a não gostar de acordar cedo e, por isso, repudiar o ridículo ditado popular: “Deus ajuda, quem cedo madruga”. Nasci bem depois da hora do almoço, no entanto tenho inúmeras bênçãos para contar.    Uma delas é o fato de ser um apreciador do mundo das artes, ter a sensibilidade de contemplar uma boa leitura, ser levado pelas ondas dissonantes do jazz, sentir o prazer de se debruçar sobre os bandolins chorões que reverberam no meu coração tão sedento de brasilidade e ainda sentir o frescor da bossa, refinando minhas audições. E o que dizer do fascínio pelas belas pe

QUEIXUME

Não sei pra que toda pluma Tanta banca, tanta pompa se escanchada na garupa rindo da mea culpa é a palavra tosca quem se inflama. Se quero que lodo vire rosa Pavão seja peba E carvão, pérola Quem se importa? Se as pedras que trago no embornal É o que mais me encanta. A rima que se lasque O Aurélio que se dane Há muito já rebolei na ribanceira o Bilac O Dias, o Casimiro, o Alencar Eu quero é um Ménage à trois Com o torto e o traste. Prefiro a companhia das palavras tronchas Das que saem sem black tie E fazem do chão sua cama Se lambuzam de poeira e lama E não sabem se noite é dia Ou se afago é açoite Sei apenas que poste e tolete são poesia. Não dou trela se ela tem diploma Até torço a cara quando me acena E diz estar no altar feito dama Mas se cambaleando de tão bêbada Cai num pé de guanxuma e diz que é puta Apenas ergo sua saia e ela já está pronta.